Fernando Capez é denunciado no caso da 'máfia da merenda'
Deputado estadual Fernando Capez e o vice-governador do Estado, Márcio França, em visita à cidade de Bofete (SP), em 2017
O procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Gianpaolo Smanio, apresentou nesta segunda (15) denúncia contra o deputado estadual Fernando Capez (PSDB), sob acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso conhecido como "máfia da merenda".
O escândalo veio à tona há dois anos, com a deflagração da Operação Alba Branca, que detectou desvios em contratos da Secretaria de Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB) e em prefeituras. Capez, que também é procurador licenciado do Ministério Público paulista, presidiu a Assembleia Legislativa até o ano passado.
O dinheiro desviado do Estado -R$ 1,11 milhão, o equivalente a 10% dos contratos- pagou despesas da campanha de 2014 do tucano, inclusive dívidas que ficaram pendentes até 2015, segundo a acusação.
Além de Capez, foram denunciadas outras oito pessoas -dois ex-assessores de seu gabinete, dois integrantes da Secretaria de Educação e quatro homens ligados à Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar), sediada em Bebedouro (SP), entre eles o lobista Marcel Ferreira Julio, que fechou acordo de delação premiada.
Devido ao foro especial de Capez, caberá ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça decidir se recebe a denúncia e abre ação penal contra ele, tornando-o réu.
Smanio também pediu a suspensão imediata do mandato de Capez e de suas funções como procurador de Justiça."Não bastasse o risco à ordem pública gerado pelas condutas do denunciado Fernando Capez, não se pode olvidar que os poderes inerentes aos cargos ocupados podem ser indevidamente utilizados por ele para constranger testemunhas e conturbar a colheita da prova", escreveu.
Conforme a acusação, uma das principais provas contra Capez é a identificação, por meio da quebra de sigilo telefônico, de uma ligação dele para o então chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Educação, Fernando Padula, o que confirmaria o relato do delator.
A acusação relata que, em 29 de julho de 2014, Capez se reuniu com Marcel Julio para colocar o 'lobista' a par do desenvolvimento das 'negociações' com a Secretaria da Educação".
"Nesta oportunidade, com o nítido propósito de demonstrar a Marcel que realmente estava cuidando daqueles assuntos de interesse da Coaf, o deputado Fernando Capez travou contato telefônico com Fernando Padula", ligando para a linha de um assessor da pasta.
Ao fim da reunião, ainda segundo a denúncia, Capez solicitou vantagem ilícita dizendo: "Não esquece de mim, hein? Estou sofrendo em campanha".
Segundo o Ministério Público, a Coaf havia vencido em 2013 uma chamada pública (espécie de licitação) para vender suco de laranja para a merenda.
No entanto, o contrato não havia sido assinado e a entidade ia perder o suco que armazenara.
A direção da cooperativa, então, confiou a Marcel a missão de destravar o contrato com o governo. O lobista fez a ponte entre a Coaf e Capez. Marcel é filho de Leonel Julio, ex-deputado e ex-presidente da Assembleia que mantém bom trânsito com políticos. Pai e filho foram denunciados sob acusação de lavagem.
Ainda pela denúncia, Padula, então chefe de gabinete da Educação, e uma diretora da secretaria, Dione Di Pietro, cederam à pressão de Capez e abriram uma nova chamada pública no final de 2014 para contratar a Coaf. Ambos são acusados de corrupção passiva, por terem feito vistas grossas às irregularidades.
Além de pedir vantagens pessoalmente, segundo a denúncia, Capez incumbiu seu então assessor Jéter Pereira de tratar com a Coaf. Com quebras de sigilo, foram encontradas movimentações de recursos supostamente desviados na conta de Pereira e de outro ex-assessor, José Merivaldo dos Santos.
O Ministério Público pediu bloqueio de bens de R$ 2,3 milhões como reparação.
OUTRO LADO
O deputado Fernando Capez (PSDB) disse à Folha que não cometeu crimes e que não há provas contra ele.
"O que não existe não pode ser provado. As provas colhidas já demonstraram a inexistência dos fatos. Reitero que jamais conversei com [Fernando] Padula, seja pessoalmente ou por telefone ou por qualquer pessoa que possa lhe ter passado a ligação", disse Capez.
"Jamais pedi qualquer favorecimento à cooperativa. Para fraudar uma licitação é preciso um pouco mais do que uma ligação de 30 segundos que nego ter ocorrido", afirmou.
Jéter Pereira, ex-assessor do gabinete de Capez, negou ter tratado com a Coaf e participado dos desvios.
"O que eles encontraram na minha conta foram R$ 38 mil que não têm nada a ver. Eles pediram que eu esclareça, que eu prove de onde veio [o dinheiro], só isso. Eu provando de onde veio está tudo OK. Veio das minhas contas, é dinheiro que a gente guarda", disse.
"Desde o começo eu sempre disse que não recebi nenhum centavo. Eu era um simples assessor para ficar atendendo telefone no gabinete e jamais teria capacidade para arquitetar um plano para desviar milhões", disse Pereira.
A reportagem não localizou Fernando Padula, ex-chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Educação. Quadro importante do PSDB paulista, Padula deixou o cargo na Educação em 2016 em meio às investigações sobre a merenda e hoje é chefe do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
O ex-assessor José Merivaldo dos Santos, que trabalhou no gabinete de Capez e ocupou vários outros cargos na estrutura do PSDB na Assembleia Legislativa, também não foi localizado.
O advogado Ralph Tórtima Filho, que defende o ex-presidente da Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar) Cássio Chebabi, disse que "desde a deflagração da operação, a postura do Cássio foi de colaboração, e ele se mantém firme no propósito de auxiliar no esclarecimento dos fatos".
A Folha não conseguiu contato com as defesas de Dione Di Pietro, servidora aposentada da Educação, e de César Bertholino, ex-membro da Coaf.