Resgate tem pior dia, e caem chances de localizar sobreviventes em Minas
Dois dias após o acidente com uma barragem da Vale em Brumadinho (MG), as condições de resgate pioraram, e nenhum sobrevivente foi encontrado. Segundo o comandante da operação do Corpo de Bombeiros, tenente-coronel Eduardo Angelo, a chance de se localizar pessoas com vida a partir de agora é "bem pequena".
Neste domingo, as equipes de busca encontraram uma dificuldade adicional. A ameaça de ruptura de outra barragem, desta vez com água, suspendeu as operações de resgate por cerca de dez horas.
Até o momento, 58 corpos foram localizados, dos quais 19 identificados. Há 305 desaparecidos e 192 resgatados.
As buscas continuariam ao longo da noite em dois pontos: um ônibus próximo da administração da Vale e uma casa perto da pousada Nova Estância, onde foram achados três corpos. Os bombeiros informaram que não conseguiram ainda acessar o refeitório da Vale e que ele pode ter se deslocado de lugar. Ali, a profundidade da lama chega a 15 metros.
Apesar dos esforços, o porta-voz da corporação, tenente Pedro Aihara, admitiu que alguns corpos podem nunca ser encontrados.
"Considerado o tipo de tragédia e as proporções, existe sim a possibilidade de alguns corpos não serem recuperados, mas não é esse o foco dos bombeiros."
Em reunião com moradores, o comandante da operação não descartou achar novos sobreviventes, mas disse que a probabilidade é pequena. "A literatura que trata desse assunto demonstra que, a partir de 48 horas de empenho, a chance de encontrar vida é bem pequena. Existe [possibilidade]? Já aconteceu? Sim, já teve gente soterrada por mais de 30 dias, só que normalmente é um ponto fora da curva", disse Angelo.
Na sequência, ele procurou dar uma palavra de esperança aos moradores. "Mas existe essa possibilidade sim e a gente trabalha com a possibilidade de que nós vamos encontrar pessoas com vida." Angelo disse que os bombeiros não conseguiram chegar a vagões de trem que foram atingidos pela lama e que, segundo moradores, podem conter corpos ou sobreviventes.
"A gente não está conseguindo chegar. Porque à medida que nós vamos avançando na lama, a gente encontra corpos. A cada corpo encontrado, a gente faz o trabalho e retorna. Nós localizamos um ônibus ontem. Mas quando estávamos para chegar nele, encontramos corpo, corpo, corpo. Hoje nós chegamos ao ônibus. Temos que fazer um trabalho de escavação nele."
Outro ônibus havia sido encontrado no sábado (27), com dez corpos.
A partir desta semana, as condições de busca devem mudar. No sábado, com a lama úmida e chuvas, os bombeiros tinham mais dificuldade de locomoção no terreno, e a maior parte do trabalho era feita com a ajuda de helicópteros.
Desta segunda-feira (28) em diante, com a lama já mais sólida, haverá buscas por terra e serão usados cães farejadores.
Também poderão ser usados equipamentos de auxílio trazidos por uma missão de especialistas israelenses. Médicos cubanos que estão no Brasil, desmobilizados com o fim do programa Mais Médicos, também ofereceram ajuda, mas ninguém os contactou até o domingo (27).
Do Panamá, o papa Francisco manifestou solidariedade às vítimas. "Quero exprimir a minha dor pela tragédia que atingiu o Estado de Minas Gerais no Brasil", disse. "Recomendo à misericórdia de Deus todas as vítimas e ao mesmo tempo rezo pelos feridos e exprimo meu afeto e proximidade espiritual às suas famílias.
Para garantir o financiamento de ações emergenciais na área, a Justiça determinou o bloqueio de mais R$ 5 bilhões da Vale, proprietária da barragem. Somando-se as duas decisões judiciais anteriores, o total bloqueado chega a R$ 11 bilhões.
Neste domingo, os moradores de Brumadinho viveram quase dez horas de angústia após ouvirem, por volta das 5h30, o som da sirene de alerta.
O alarme tocou porque a barragem 6, próxima da que se rompeu na sexta (25), passou a apresentar risco iminente de rompimento. Trata-se de um repositório de água, com volume de 1 milhão de metros cúbicos, que poderia causar um alagamento que atingiria até 24 mil pessoas, segundo os bombeiros, considerando desabastecimento de água e energia.
A drenagem de água estava sendo feita para evitar um rompimento iminente.
De acordo com a Defesa Civil, a inundação seria ainda pior do que a de lama, porque a água desceria com mais velocidade e atingiria mais áreas. Com a avaliação de que a barragem está estável, as pessoas puderam retornar às suas casas por volta das 15h --até 3.000 seriam evacuadas em Brumadinho.
Na cidade, a circulação estava restrita, com a Polícia Militar controlando a passagem por regiões de risco. Os acessos à entrada do município também foram bloqueados, pois a avaliação das forças de segurança era de que a presença de mais pessoas traria mais tumulto. Todos os bloqueios foram retirados após a situação voltar ao normal.
Segundo o geólogo Jehovah Nogueira Júnior, a situação da barragem 6 é preocupante. Após avaliar imagem que mostra uma extensa mancha de umidade na parede externa do reservatório de água, Nogueira afirma que o cenário pode evoluir para uma infiltração com aumento gradual de vazão, seguido de ruptura.
"A medida emergencial é o rebaixamento do nível d'água do reservatório, para [consequentemente] rebaixar a freática [água abaixo do solo] no interior da barragem", diz ele, que presta consultoria em barragens.
Enquanto a cidade estava fechada, grupos de dezenas de moradores subiram a pé a ponte principal sobre o Paraopeba para conferir a cor barrenta da água e ver os peixes mortos que desciam na corrente. "Tem curumba, mandi, dourado, surubim, piau, tudo descendo o rio, morto. Uma tristeza. Não é mais rio, olha só... isso é lama. Não tem como o peixe respirar", disse Mário Fernandes.
Durante a tarde deste domingo (27), parentes de vítimas se revoltaram e foram até a Faculdade Asa, onde funciona o comando das forças de segurança. Eles reclamavam de falta de informações e queriam a retomada das buscas, que estavam interrompidas.
Até agora, há desencontro de informações sobre desaparecidos, com listas paralelas da empresa, da Defesa Civil e da Polícia Civil.
Depois do protesto, as forças de segurança determinaram que cinco representantes das vítimas, escolhidos por eles, participassem de uma reunião gerencial de comando.
“Participaram da reunião e levaram os anseios. Foram traçadas medidas, principalmente de ofertar a eles informações em tempo real”, disse o tenente-coronel Flávio Godinho, coordenador-adjunto da Defesa Civil de Minas Gerais.
A ideia é levar aos parentes, no centro de apoio da Vale, informações em primeira mão, antes que sejam repassadas para outros meios, como a imprensa.