Escola municipal de São Paulo marca alunos para não repetirem merenda
Uma escola municipal da gestão João Doria (PSDB) está marcando os alunos que comem a merenda para que eles não repitam o lanche quando são servidos alimentos industrializados, como bebida láctea e bolachas.
Desde o início do mês, quando voltaram as aulas, os estudantes da Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) João Amós Comenius, na Brasilândia (zona norte), recebem uma bolinha ou um risco na mão, feito com um canetão, quando se servem da merenda industrializada. Assim, eles não podem pegar mais.
A avó de um estudante, que preferiu não se identificar, disse que na semana passada o garoto de 11 anos chegou em casa com uma bolinha pintada na mão dizendo que, com ela, não podia mais repetir o lanche. "Ele não costuma comer na escola. Justo no dia que era um lanche que ele gostava, quis repetir e não pôde."
A estudante Brenda Soares, 19, afirmou que o irmão de 10 anos também já chegou em casa com a mão marcada com uma bolinha. "Fizeram uma bolinha nele. É ruim isso porque muitas crianças fazem a principal refeição na escola." Ontem, foi servido abacaxi, e os alunos não foram marcados.
Na Emei (Escola Municipal de Educação Infantil) Mestre Jou, na Freguesia do Ó (zona norte), os alunos não podem repetir qualquer merenda, de acordo com pais de alunos. Segundo o motorista Glauco Raony, 23 anos, o anúncio foi feito pela diretora da escola em reunião de pais realizada no dia 5.
O filho de Raony, Pietro, 5 anos, não pode mais repetir o leite com café ou chocolate, o que mais gosta. "Na reunião, a diretora disse sobre a mudança no cardápio da merenda e disse não seria mais permitido a repetição."
Em julho, a prefeitura afirmou que iria mudar o cardápio das escolas. A gestão Doria disse que os alimentos industrializados deveriam ser consumidos "com moderação", pois não eram saudáveis.
OUTRO LADO
A Secretaria Municipal da Educação, sob a gestão João Doria (PSDB), disse que "condena as práticas" citadas pelo "Agora". Afirmou que já tomou providências para que a marcação dos alunos não se repita e para que eles possam receber "a alimentação de qualidade oferecida pela rede".
O órgão disse que a mudança no cardápio da merenda foi adotada em escolas onde o preparo dos alimentos é feito por terceirizadas e que começaram há 15 dias, "sendo natural haver ajustes a serem feitos".
Segundo a secretaria, os alunos podem repetir as refeições servidas no almoço e o jantar quando há grãos, frutas e verduras. A prefeitura afirmou que a repetição de alimentos industrializados, servidos nos intervalos (lanches), não é recomendada "por questões nutricionais". O objetivo é garantir uma alimentação "mais saudável, nutritiva e equilibrada". A secretaria não comentou a declaração das especialistas em educação que questionaram os alimentos industrializados na merenda.
CONTRADIÇÃO
Especialistas em educação ouvidos pela reportagem disseram que a justificativa da Secretaria Municipal de Educação, de que os alimentos industrializados devem ser consumidos "com moderação" porque não são saudáveis, é contraditória.
"É uma justificativa falha e contraditória que não combina com o ambiente educacional. Se o alimento industrializado não é saudável, troca a merenda", disse a mestre em psicologia educacional Flávia Vivaldi.
"Se o industrializado não é saudável, por que coloca o alimento industrializado na alimentação?", questionou a pedagoga Luciene Tognetta, professora da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
As especialistas também contestaram a forma de controle de distribuição da merenda na Emei João Amós Comenius. Para Luciene, o método expõe o aluno a uma situação "humilhante e vexatória". "Essa marcação na mão das crianças é uma forma de dizer a elas que repetir a comida é uma coisa errada. É um tratamento indigno para um ser humano essa forma de controle."
Flávia sugeriu que em vez de proibir a repetição e expor as crianças, o ideal seria fazer um trabalho educativo com os alunos explicando a eles os riscos da alimentação industrializada em excesso, por exemplo. "É preciso fazer um trabalho educativo e não expositivo", disse